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sexta-feira, 26 de março de 2021

CARTA DA IELB PARA O POVO LUTERANO.

 Um ano de pandemia 

Às Congregações e Pastores da IELB 

    A pandemia do novo coronavírus já completou um ano. O grande número de pessoas enfermas, o número de pessoas que já faleceram, a grande crise econômica, o colapso do sistema de saúde nos mostram o quanto é grave a situação, na qual estamos imersos. 

    Tão grave, ou talvez pior, é a forma como essa situação está sendo tratada em nosso país. Vemos um país desunido, desorientado, polarizado ideologicamente, o que agrava ainda mais a situação que por si só já é muito difícil. É evidente que todos querem a solução e lutam por ela, mas, infelizmente, por fundamentarem-se em insustentáveis pressupostos, muitos partem de falsas premissas, concluem e defendem bandeiras que não irão contribuir para a busca das tão almejadas soluções. 

    O tempo tem mostrado que pressupostos ideológicos, de esquerda e de direita, em nada contribuem neste momento de crise. Pelo contrário, dividem as pessoas em polos extremos e enfraquecem as ações que deveriam ser realizadas de forma ordenada e conjunta em nossa sociedade. O mesmo ocorre com aqueles que se levantam em nome da religião e que agem a partir de pressupostos de correntes teológicas que não podem ser sustentadas biblicamente, como a Teologia da Prosperidade, a Teologia da Libertação e a Teologia da Glória, entre outras. 

    O que vemos, diariamente, é uma sociedade mais polarizada, mais propensa às discórdias, que aplica grande parte de seu tempo e recursos em embates inúteis e que, por conseguinte, a cada dia se torna mais incapaz de fazer frente à grave situação de crise na qual vivemos.         As Escrituras Sagradas nos mostram claramente uma alternativa que está sendo esquecida neste contexto de crise. E essa alternativa é a Teologia da Cruz. O nosso amado Salvador Jesus disse: “É necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas e seja rejeitado pelos líderes religiosos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, seja morto e ressuscite no terceiro dia”. 

    Esta teologia foi amplamente pregada pelos apóstolos, conforme o apóstolo Paulo escreve aos Coríntios: “...mas nós pregamos o Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1Co 1.23). A Reforma Luterana, liderada pelo Reformador Martinho Lutero, no século XVI, ao fundamentar toda a sua argumentação nos três solas: Sola Gratia (Somente a Graça), Sola Fide (Somente a Fé) e Sola Scriptura (Somente a Escritura) restaurou e devolveu à Igreja a preciosa Teologia da Cruz, da qual somos herdeiros, na qual cremos e na qual queremos sempre pautar o nosso jeito de ser e agir, em todos os tempos, lugares e situações.

     A Teologia da Cruz tem alguns aspectos que precisam ser sublinhados neste pedido de crise em que vivemos: 

    1) Justiça: A Teologia da Cruz nos mostra a justiça de Deus. Deus disse a Adão, no Jardim do Éden: “...mas da árvore do conhecimento do bem e do mal você não deve comer; porque, no dia em que dela comer, você certamente morrerá” (Gn 2.17). Em Ez 18.20, ele diz: “A pessoa que pecar, essa morrerá”. E em Rm 6.23: “Porque o salário do pecado é a morte”. Em sua justiça, Deus não ignora o pecado do ser humano, nem minimiza as suas consequências, mas decide aplicar a sentença de morte sobre o seu próprio Filho, Jesus Cristo, que veio ao mundo e que livremente entregou-se à morte de cruz para reconciliar a humanidade com o seu Criador. E a promessa agora é: “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Mc 16.16). Por isso o apóstolo Paulo escreve: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio do nosso Senhor Jesus Cristo...”. A justiça de Deus, que nos é dada pela fé em Cristo, nos move a vivermos de forma agradável a Deus, justa, correta, tendo a santa lei de Deus como freio, espelho e norma. E a lei de Deus, expressa nos Dez Mandamentos, é resumida por Jesus nas seguintes palavras: “Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e com toda a sua força... e “Ame o seu próximo como você ama a si mesmo” (Mc 12.30 e 31). Portanto, é incompatível com a fé cristã o ato de envolver-se em contendas de cunho ideológico e teológico em que se espera justiça do próximo quando esta postura não é notória em quem a está reivindicando. É inadmissível que um cristão cobre justiça dos seus semelhantes quando ele mesmo, cegado por alguma ideologia humana, recebe, curte e compartilha as mentiras que diariamente circulam pelas redes sociais, sejam a respeito de quem for, mesmo que tenham uma aparente “boa intenção”. 

    2) Graça: A Teologia da Cruz nos mostra a graça de Deus em sua plenitude. Deus não aplica a sentença de morte em quem de fato a merece, o pecador, mas decide aplicá-la em si mesmo, na pessoa do seu Filho, Jesus Cristo. Essa graça de Deus nos move a uma relação com o próximo, na qual não se aplica mais o “olho por olho, dente por dente”. Ela não nos leva mais de encontro ao próximo, para vencê-lo e subjugá-lo, mas ela nos leva ao encontro do próximo, em amor, com a intenção de ajudá-lo em suas necessidades. Para quem vive na graça de Deus, pela fé em Cristo, as Escrituras Sagradas dão inúmeras orientações práticas que nos guiam em nosso relacionamento com o semelhante:  “Que a palavra de vocês seja: Sim, sim; não, não. O que passar disto vem do Maligno. Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho, dente por dente’. Eu, porém, lhes digo: Não resistam ao perverso. Se alguém lhe der um tapa na face direita, ofereça-lhe também a face esquerda. Se alguém quer processar você e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém obrigar você a andar uma milha, vá com ele duas. Dê a quem lhe pede e não volte as costas ao que quer lhe pedir emprestado. Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês, para demonstrarem que são filhos do Pai de vocês, que está nos céus”. Palavras de Jesus em Mt 5.37-45.  “O amor seja sem hipocrisia. Odeiem o mal e apeguem-se ao bem. Amem uns aos outros com amor fraternal. Quanto à honra, deem sempre preferência aos outros. Quanto ao zelo, não sejam preguiçosos. Sejam fervorosos de espírito, servindo o Senhor. Alegrem-se na esperança, sejam pacientes na tribulação e perseverem na oração. Ajudem a suprir as necessidades dos santos. Pratiquem a hospitalidade. Abençoem aqueles que perseguem vocês; abençoem e não amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram e chorem com os que choram. Tenham o mesmo modo de pensar de uns para com os outros. Em vez de serem orgulhosos, sejam solidários com os humildes. Não sejam sábios aos seus próprios olhos. Não paguem a ninguém mal por mal; procurem fazer o bem diante de todos. Se possível, no que depender de vocês, vivam em paz com todas as pessoas. Meus amados, não façam justiça com as próprias mãos, mas deem lugar à ira de Deus, pois está escrito: ‘A mim pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor’. Façam o contrário: ‘Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber; porque, fazendo isto, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele’. Não se deixe vencer pelo mal, mas vença o mal com o bem”. Palavras escritas pelo apóstolo Paulo em Rm 12.9-21.  “Irmãos, se alguém for surpreendido em alguma falta, vocês, que são espirituais, restaurem essa pessoa com espírito de brandura. E que cada um tenha cuidado para que não seja também tentado. Levem as cargas uns dos outros e, assim, estarão cumprindo a lei de Cristo... E não nos cansemos de fazer o bem, porque no tempo certo faremos a colheita, se não desanimarmos. Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé”. Do mesmo apóstolo, em Gl 6.1,2; 9-10. A crise que estamos vivendo é uma oportunidade ímpar para a prática dessas divinas e preciosas orientações! 

    3) Deus conosco: A Teologia da Cruz nos mostra que Deus não virou as costas ao pecador e não o abandonou na ruína em que ele mesmo se colocou com a sua desobediência. Mas, movido pelo seu grande amor, ele se encarnou, se fez um ser humano como nós, cumpriu a santa lei em nosso lugar e, na cruz, sofreu o castigo que nós merecíamos sofrer. E mais: prometeu estar conosco todos os dias, até o fim dos tempos (Mt 28.20). A Teologia da Cruz não nos autoriza a minimizar o sofrimento humano, nem tão pouco a fazermos promessas dizendo que o cristão está livre de todos os males e perigos e terá a vitória sobre todas as dificuldades e problemas; mas ela nos garante que Deus está conosco, ele não nos abandona e “que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Assim, enfrentamos as tribulações sem a necessidade de elegermos culpados, “sabendo que a tribulação produz perseverança, a perseverança produz experiência e a experiência produz esperança” (Rm 5.3,4). 

    4) Comprometimento: A Teologia ada Cruz nos coloca sob o senhorio de Cristo. Em Mt 16.24 Jesus nos diz: “Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Isto, na prática, significa que não é mais a nossa vontade e os nossos desejos que vão nortear nossas decisões e ações, mas a santa vontade de Deus que está expressa nas Sagradas Escrituras. Logo, não somos nós que elegemos as prioridades em nossas vidas, ou, como diz o apóstolo Paulo, “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. E esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2.20). E nesta nova vida, o conselho de Deus é: “Vivam em paz uns com os outros. Também exortamos vocês, irmãos, a que admoestem os que vivem de forma desordenada, consolem os desanimados, amparem os fracos e sejam pacientes com todos. Tenham cuidado para que ninguém retribua aos outros mal por mal; pelo contrário, procurem sempre o bem uns dos outros e o bem de todos. Estejam sempre alegres. Orem sem cessar. Em tudo, deem graças, porque esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus. Não apaguem o Espírito. Não desprezem as profecias. Examinem todas as coisas, retenham o que é bom. Abstenham-se de toda forma de mal” (1Ts 5.13-22). Não há na face da terra nenhum motivo, seja ele político, ideológico, humanitário, ambiental, sociológico ou qualquer outro que justifique que o cristão tenha uma postura diferente daquela que Deus recomenda a ele nas Sagradas Escrituras. 

    A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) é uma igreja Luterana Confessional, que tem as Escrituras Sagradas como a sua única Norma de fé e vida; ela, portanto, é uma igreja que prega e vive a Teologia da Cruz. Ela está ciente que a “a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, ela é poder de Deus” (1Co 1.18). A sua Diretoria Nacional, por sua vez, tem se esmerado, de forma especial neste tempo pandêmico, em fundamentar as suas orientações às congregações e aos pastores nas diretrizes da Teologia da Cruz. Desde o dia 16 de março de 2020, ela tem publicado vídeos, notas e cartas que pedem confiança em Deus, submissão à sua santa Palavra, amor ao próximo, priorização da vida, moderação, observância aos decretos e orientações das autoridades civis constituídas e, ao mesmo tempo, tem enfatizado que o trabalho de apascentar o rebanho de Cristo continue sendo realizado com fidelidade e esmero – onde não for possível o atendimento presencial, que o mesmo seja feito de forma online; e, onde for possível realizar o trabalho de forma presencial, que o mesmo seja realizado de maneira segura, observando todos os protocolos sanitários, para evitar a circulação e proliferação do vírus. Também tem desafiado a igreja a aproveitar este tempo de pandemia para anunciar a Boa Nova da salvação pela fé em Cristo Jesus de todas as formas possíveis, por considerá-lo um tempo de oportunidade sem igual. 

    Neste momento em que já completamos um ano de pandemia, a Diretoria da IELB reafirma todas as suas orientações publicadas até aqui e acrescenta: 

    a) Que nos apoiemos mutuamente para sermos perseverantes nas práticas recomendadas pelas autoridades, especialmente as autoridades da área da saúde, para que possamos continuar contribuindo positivamente na luta contra o vírus, visando a superação definitiva da pandemia.

     b) Que as alternativas que Deus nos dá através dos meios que ele utiliza para nos cuidar neste mundo – ciência, cientistas, autoridades em geral – sejam acolhidas e analisadas do ponto de vista da Teologia da Cruz e não do ponto de vista político ideológico ou do ponto de vista de algumas falsas teologias que são propagadas em nossa sociedade. Especialmente em relação às vacinas que estão e estarão sendo disponibilizadas neste tempo pandêmico, que elas sejam recebidas como sempre o foram ao longo da história, como uma dádiva de Deus, para o nosso bem. Por elas ainda estarem sendo aplicadas em caráter experimental, pela urgência que a situação exige, é evidente que ainda pairam dúvidas quanto à sua eficácia, o que não nos dá o direito de trabalharmos contra a sua utilização. 

    c) Como sal da terra, luz do mundo (Mt 5.13 e 14) e bom perfume de Cristo (2Co 2.15) temos o privilégio e a missão de participar ativamente da vida pública, da administração das coisas que são comuns a todos (política) em nossa sociedade, no entanto, o nosso desafio é analisarmos todas as coisas à luz das Escrituras Sagradas, e não de forma inversa. Lembremos de 1Ts 5.21: “examinem todas as coisas, retenham o que é bom”. Como cristãos, não podemos entrar na guerra ideológica, tendo postura semelhante àquela das pessoas que não vivem sob a cruz de Cristo. 

    d) Dos pastores espera-se que estejam atentos aos problemas da sociedade e participem ativamente da vida pública de seu município e sejam instrumentos de Deus para que as pessoas vivam melhor, no entanto, requer-se que, enquanto pastores, não exerçam política partidária (Art. 31 do Código de Ética Pastoral). Incluem-se aqui os pastores que atuam em congregações, em projetos de capelania, os eméritos, os que estão aguardando chamado e os cedidos às igrejas irmãs no Brasil e no exterior. Neste sentido, considera-se difícil pregar a Teologia da Cruz quando o pregador está ancorado em teologias e ideologias que excluem a cruz e buscam soluções “no presente século” ou “confiando em príncipes”. Como despenseiros de Deus, nada deve ocupar o espaço da Palavra de Deus, “Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos. Ela nos educa para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos neste mundo de forma sensata, justa e piedosa, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo” (Tt 2.11,12). E o salmista ainda lembra: “Melhor é buscar refúgio no Senhor do que confiar nos seres humanos. Melhor é buscar refúgio no Senhor do que confiar em príncipes” (Sl 118.8 e 9). 

    e) A todos nós, sempre são muito relevantes as palavras de Paulo, em 1Tm 2.1-6: “Antes de tudo, peço que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças em favor de todas as pessoas. Orem em favor dos reis e de todos os que exercem autoridade, para que vivamos vida mansa e tranquila, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, que deseja que todos sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e a humanidade, Cristo Jesus, homem, que deu a si mesmo em resgate por todos, testemunho que se deve dar em tempos oportunos”. 

    Porto Alegre, RS, 26 de março de 2021 

Com votos de ricas bênçãos de Deus, Rev. Geraldo Walmir Schüler Presidente da IELB

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