Sermão para o 2º Domingo após Pentecostes
Leituras: Sl 81.1-10 Dt 5.12-15 2 Co 4.5-12 Mc
2.23-3.6
Tema: Jesus é o Senhor da Lei!
O
texto de Marcos lido hoje, reúne parte dos conflitos de Jesus e seus discípulos
com os fariseus e escribas. Certamente Marcos acolhe esse material para
promover o debate diante do poder ideológico dos que interpretavam e
manipulavam as leis.
A
polêmica do nosso texto é a santificação do sábado, as versões diferentes da
interpretação dessa lei. Os discípulos
de Jesus foram flagrados pelos fariseus colhendo espigas (de trigo) no sábado
(v. 22).
Os
fariseus denunciam Jesus e seus discípulos por fazerem o que não é lícito no
sábado (v. 24). A lei proibia a colheita no sábado conforme Dt 5.12-15. Para os fariseus o preço desse erro de
Jesus e seus discípulos é a morte (Mc 3.6).
Nunca lestes...? pergunta Jesus
aos conhecedores da lei (v. 25). Jesus interpreta o Antigo Testamento e compara
a sua situação e a dos seus discípulos com o que aconteceu a Davi e seus companheiros.
A situação de fome, de
Davi e seus companheiros sobrepôs-se à lei. A
necessidade gerou a liberdade de ação de Davi: exigir e comer os pães sagrados mesmo não sendo lícito (v. 26).
Fica subentendido que a fome dos discípulos é suficiente
para justificar a ação de colher no sábado.
Jesus
desafia os fariseus e a hegemonia ideológica deles e de outros grupos
dominadores: escribas, sacerdotes, herodianos, etc.
Trabalhar no sábado não pode, mas matar pessoas pode?
A interpretação da lei tinha a função de
justificar poderes dominadores desses grupos religiosos organizados.
Cabia
ao povo, abaixar a cabeça e dizer sim para a lei conforme a interpretação
desses grupos, mesmo que esse cumprimento ceifasse a vida. O absolutismo como critério para a interpretação era o mecanismo de
poder usado pelos fariseus e escribas para subjugar as demais pessoas.
Os critérios de Jesus para a interpretação da lei são diferentes.
As novas versões de Jesus para a lei questionam o consenso ideológico em prática,
defendido e articulado principalmente pelos fariseus.
O sábado foi feito por causa do homem e não o homem por causa do sábado
(v. 27). Marcos é o único a apresentar este provérbio. É o dito central em
nosso texto. Na interpretação de Jesus o sábado é dádiva, um dom de
Deus, em benefício ao povo.
A vontade e a necessidade dos discípulos
de comer o trigo é maior do que a lei do sábado. Esta é uma nova versão
do que é lícito ou não, na interpretação de Jesus para a lei do sábado.
Não o diminui, nem promove a desobediência
ao mandamento de Deus. Dá aos pobres, aos famintos a liberdade de
também no sábado comerem, viverem. Marcos
aponta para a autoridade de Jesus, o Filho do homem. QUEM É DONO DO
SÁBADO? O próprio Jesus, portanto ele sabe do que fala.
... o Filho do homem é senhor também do
sábado (v. 28). Jesus se declara capacitado para dar a interpretação
correta da lei do sábado. Arroga
para si o poder de manifestar a vontade original da lei de Deus para evitar a
sua inversão. Para os escribas e fariseus somente Deus tinha esse poder sobre a
lei. Podemos até dizer que Jesus chama
para si o controle ideológico da lei, uma espécie de resgate do verdadeiro
sentido da Lei.
Temos
aí a valorização da presença histórica de Deus no mundo através de Jesus, o
Filho do homem. Aquele homem Jesus, cercado dos seus seguidores,
agora é apresentado como quem tem autoridade para resgatar o objetivo original
da lei: facilitar a festa,
matar a fome, romper o domínio de poucos, impedir a injustiça, abrir caminho
para a cura de pessoas, a liberdade e a vida – sendo sábado ou não. Assumir a presença histórica de Deus através
de Jesus significa estar atento para novos caminhos, novos critérios de
entender a Lei, nova vida, não subjugada pela Lei, mas de liberdade em Cristo
Jesus.
O texto aponta para o
poder de Jesus de resgatar o objetivo do sábado. Ele foi criado para nós. Não
somos escravos do sábado e da lei. Jesus
assume a ação histórica de Deus de resgatar a liberdade. Concluímos,
então, que o texto desafia para o questionamento da manipulação humana da
vontade de Deus, seja pela interpretação errada da palavra da Bíblia ou por
experiências concretas e históricas de cumprimento de Lei.
E,
ainda, aponta para o anúncio do senhorio de Jesus, Deus conosco que, através do
seu ato salvífico e de suas ações históricas concretas, oferece critérios novos
para determinarem a luta da vida no dia-a-dia. Todos os dominados pela lei, por mandamentos e normas de ordem
eclesiástica ou civil, encontram em
Jesus critérios de liberdade na luta pelos direitos vitais.
Baseado neste texto, podemos questionar
a segmentos econômicos e políticos da sociedade que exercem poder nefasto,
destruidor, especialmente sobre as camadas exploradas da população.
Interpretam e manipulam as leis com rigor. E, de maneira casuística,
colocam-nas em vigor conforme a sua conveniência.
Refiro-me
a ações judiciais (a justiça
brasileira, aproveitando a paralização dos caminhoneiros – lançou multas sobre
empresas transportadoras de aproximadamente 300 milhões de reais e com ameaças
de fechar ou tirar os bens dessas empresas caso não paguem a multa - não se perguntando quantos empregados
perderão seu emprego), leis do mercado
econômico e financeiro que as autoridades nos impõem (impostos exagerados),
programas da justiça eleitoral (somos
livres mas somos obrigados a votar), ações legislativas e executivas e
assim por diante.
Diante disso, podemos anunciar os critérios novos de Jesus, a presença
viva de Deus na história e em nosso meio. Com esse anúncio podemos
facilitar as práticas comunitárias e o apoio a todas as iniciativas da
população que, em seus movimentos e interferências na sociedade, tomam como critério a vida e as
necessidades das crianças, doentes, idosos, jovens, estudantes, trabalhadores,
etc.
Também no meio religioso e cristão, existem falhas e
aberrações praticadas pelas diferentes igrejas e religiões que usam leis e
instrumentos normativos que escravizam os membros. E, em
muitos casos, tais ações assumem função ideológica ampla, tornando-se aparelhos
de todo o sistema diabólico que afasta a população do projeto e das obras de
Deus. EX: Há poucos meses,
houve em nossa cidade um encontro numa igreja, chamado de seção descarrego, com
uma tonelada de sal grosso para purificar aqueles que pagassem e mergulhassem
naquele sal. Isto não é de Deus. Isto é
diabólico.
Neste
caso anunciar a presença viva de Jesus Cristo a partir desse exemplo histórico
que rompe com a escravidão da lei do sábado torna-se uma necessidade primordial.
Podemos anunciar Jesus como quem tem
autoridade para libertar as pessoas das propostas eclesiásticas escravizadoras,
da teologia enganadora e do falar de Deus como manipulador.
As
igrejas que guardam o dia de descanso no sábado têm promovido insegurança nos
cristãos que santificam o domingo. Esse tema é vivencial principalmente na
cidade. Não podemos fugir dele. Ao contrário, devemos assegurar que as
reflexões de hoje sobre o dia de descanso contemplem os critérios de
interpretação da lei apresentados por Jesus no texto de Marcos. Para isso, importa resgatar a
amplitude teológica e traços históricos do sábado e do dia de descanso.
Temos
uma dívida enorme com o sábado. O catecismo usado na Igreja Evangélica Luterana
no Brasil (IEEB), por exemplo, traduz o mandamento do sábado como: santificarás o dia de descanso.
Pressupõe que o domingo engoliu o sábado sem deixar história. Mas não é assim.
O sábado, diante do que Jesus fala, deve ser
entendido como a conclusão da criação. Esta conclusão se dá através da presença
repousante do criador na criação. Esta presença de Deus é a primeira revelação
de Deus na sua criação; não é uma revelação criadora, mas repousante, não
indireta e intermediada, mas uma revelação direta. (J.
Moltmann, p. 408.)
No
Decálogo, o mandamento do sábado é o mais longo. Trata-se de um dia sem
trabalho, de não fazer nada, a cada período de sete dias. O fazer nada inclui a
todos, os animais e toda a criação de Deus. No sétimo dia, a criação é semanalmente
restaurada e festejada (J. Moltmann, p. 410).
A
celebração cristã relacionada com a ressurreição de Jesus surgiu entre os
gentios, que não cumpriam a Lei judaica, e no século 2 instituído oficialmente
para todos.
No
início o domingo de hoje não tinha nome próprio — na contagem judaica: primeiro
dia da semana (Ap 20.7; l Co 16.2; Mc 16.2; Jo 20.1,19).
Recebeu
o nome domingo, em oposição do culto ao deus sol. No início os cristãos
judaicos observavam o sábado e na noite do sábado para o domingo reuniam-se em
comunidade para celebrar a Santa Ceia. Na manhã de domingo celebravam os
batismos em homenagem a ressurreição de Cristo.
Após
o concilio dos apóstolos (At 15.5; Gl 4.8; Cl 2.16s.) os gentios tornavam-se cristãos sem a necessidade de observarem a
lei judaica.
A
celebração da ressurreição de Jesus, a partir daí, separou-se do sábado. A destruição do templo de Jerusalém e a
proibição do imperador Adriano de observar a lei judaica contribuíram para o
fortalecimento da festa dominical e para o distanciamento do sábado em sua
dimensão fundamental. Com o imperador Constantino, a partir de 312, o
domingo transformou-se no dia de descanso reconhecido pelo Estado.
Os
cristãos precisam resgatar e devolver ao dia de descanso a obra da criação de
Deus, o descanso de Deus e o descanso de tudo e de todos na presença de Deus.
Nesse resgate entra a importância do texto de Mc 2.23-28.
Jesus
não aboliu o sábado. Apresentou-se como senhor também do dia de descanso. Devolveu ao sábado a liberdade: ele foi
criado para o bem das pessoas, não para escravizar as pessoas. Jesus resgatou
para os necessitados e famintos, para os subjugados pelas leis humanas, o
acesso aos direitos vitais. Ele
indicou: na festa do dia de descanso, não pode faltar o pão, não pode faltar
comida.
Portanto, diz o Apóstolo Paulo, quer comais quer bebais,
ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo em nome
do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai. 1 Coríntios 10:31-33
Em
Cristo somos livres para fazer o bem sempre, sendo sábado, sendo domingo ou
outro dia qualquer. Porque Cristo é o
Senhor da Lei e por isso nos libertou da escravidão da Lei. Amém.