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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

ARTIGO PARA REFLEXÃO

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Os Leigos da Reforma
       As igrejas Luteranas no mundo inteiro estão em plena contagem regressiva para a comemoração dos 500 anos da Reforma, em 2017.       
     Compreensivelmente, o grande nome da Reforma foi Martinho Lutero, que como monge, sacerdote e acadêmico iniciou o debate acerca do comércio de indulgências e pôs em marcha um movimento que transformaria igreja e sociedade. Seria grave engano, no entanto, imaginar que a Reforma Luterana pudesse ser a obra de um só homem, ou mesmo que o retorno da igreja ao Evangelho tenha sido o resultado da ação de pastores e teólogos. A história deste período crítico na história da igreja mostra que Deus empregou muitos leigos na luta pela fé evangálica, homens e mulheres que contribuiram de modo decisivo com a propagação da mansagem da Reforma.
      Quem foram esses leigos que Deus usou para corrigir os rumos da sua igreja? Que dons ofereceram, que papel tiveram em meio ao turbilhão de acontecimentos que mudaram a face do Cristianismo mundial? Às vésperas dos 500 anos da Reforma, que lições temos nós a aprender com eles?
      1. Filipe Melanchthon (1497–1560)
      Após Lutero, nenhum nome foi mais crucial para a Reforma do que o de Filipe Melanchthon.     Nascido em Bretten em 1497, já aos 11 anos Filipe perdera seu pai e seu avô materno, que o educara com disciplina e piedade. Aos 12 anos, seu tio-avô, Johannes Reuchlin, o maior humanista alemão daquela época, vendo que Filipe era excelente estudante, incentivou-o a estudar Grego e mudou seu sobrenome, Schwartzerd, para Melanchthon, seu equivalente em Grego. Reuchlin usou sua influência para matricular o menino na Universidade de Heidelberg em 1509, aos 12 anos de idade, e em seguida trazê-lo para Tübingen, onde Filipe recebeu o título de mestre e começou a lecionar aos 17 anos.
     Em 1518, a universidade de Wittenberg recrutava professores renomados para ensinar Grego e Hebraico. Recomendado por Reuchlin, Melanchthon chega a Wittenberg em 25 de Agosto de 1518. A primeira impressão foi péssima; aos 21 anos, Melanchthon preocupava por sua juventude, sua figura franzina, e sua timidez. Choque ainda maior viria quatro dias mais tarde: em sua aula inaugural em um auditório lotado, Melanchthon discursou sobre a necessidade de reformar o ensino acadêmico, e sua erudição, clareza e eloquência ganharam imediata admiração de todos, começando por Lutero.
     Wittemberg encontrara seu especialista em Grego. Lutero e Melanchthon logo desenvolveram uma profunda amizade e tornaram-se colaboradores na divulgação da teologia evangélica. Melanchthon deu a Lutero um novo impulso para a tradução da Bíblia, obra em que foi seu consultor. Em muito aspectos os dois se complementavam; se Lutero era o grande pregador e debatedor da doutrina do Evangelho, Melanchthon era o grande professor e sistematizador.         Em 1521 Melanchthon publicou a primeira dogmática Luterana, agrupando e organizando os ensinos da Reforma. Ele conduziu a reforma universitária em Wittemberg (substituindo a formação escolástica por um currículo baseaado nas Escrituras e nas línguas bíblicas) e em outras cidades, além da reforma do ensino nas escolas alemãs – recebendo assim o título de “Preceptor da Alemanha.” Lutero era o pilar espiritual da reforma, Melanchthon o pilar acadêmico. Sua moderação e diplomacia balanceavam o temperamento impulsivo de Lutero, cuja coragem por sua vez compensava a timidez de Melanchthon.
     Companheiro de Lutero em importantes disputas e negociações teológicas (como o debate de Leipzig em 1519, o colóquio de Marburgo em 1529, e a Concórdia de Wittenberg em 1536), Melanchthon ofereceu sua mais importante contribuição para a Reforma ao redigir a Confissão de Augsburgo, sua Apologia, e o Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa – aceitos entre as Confissões Luteranas no Livro de Concórdia de 1580. Em 1530, o Imperador Carlos V, buscando restabelecer a unidade religiosa no Império convocou os príncipes dos territórios germânicos para uma conferência em Augsburgo. Lutero acompanhou os acontecimentos à distância, correspondendo-se diariamente com os delegados Luteranos. Os príncipes evangélicos queriam demonstrar que sua fé estava de acordo com a igreja dos apóstolos e da antiguidade, rebatendo as acusações de heresia. Assim coube a Melanchthon, em consulta com Lutero e outros, redigir a primeira Confissão pública das igrejas Luteranas. A Confissão de Augsburgo foi assinada pelos governantes dos territórios Luteranos e apresentada ao Imperador a 25 de Junho de 1530, e permanece até hoje a principal confissão das igrejas Luteranas. O próprio Lutero reconheceu que a clareza e a diplomacia do texto de Melanchthon fizeram da Confissão de Augsburgo um documento irretocável.
     Infelizmente, Melanchthon discordaria nesse ponto. Com o passar dos anos, suas convicções humanistas e sua tendência a sacrificar suas convicções para costurar acordos levaram-no a fazer alterações no texto da Confissão de Augsburgo. Em 1540, ele suavizou o texto do Artigo X, Da Santa Ceia, permitindo que idéias Calvinistas (que rejeitam a verdadeira presença de Cristo no pão e vinho que comemos e bebemos na Ceia) se infiltrassem em meios Luteranos. Melanchthon afastava-se de Lutero também ao introduzir idéias sinergistas em sua dogmática, afirmando que a vontade humana coopera na conversão. Após a morte de Lutero, Melanchthon sentiu a perda de seu grande amigo e mentor; pressionado, aceitou fazer concessões aos católicos nos chamados adiáforos ­– coisas que a Bíblia nem ordena nem proíbe – o que significava a reintrodução de práticas abandonadas pela reforma e uma tácita aceitação da autoridade da igreja em impô-las. Ironicamente, sua obsessão pela unidade foi o estopim de controvérsias, divisões, e grande prejuízo à igreja.
     Melanchthon terminou seus dias em Wittenberg, ressentido pela oposição de muitos, entristecido pela morte de sua esposa Katherina em 1557, e fragilizado pelo tempo e a idade. Faleceu em 1560, mas deixou um legado incontestável. Sem sua erudição, a Reforma cedo teria alienado os intelectuais humanistas. Sem sua moderação, conflitos teriam provavelmente se agravado e multiplicado. Sem sua vocação pedagógica, as reformas na igreja e na escola não teriam sido sincronizadas. Todos esses dons, Melanchthon pôs a serviço do evangelho com dedicação, entusiasmo, e maestria. Quanto a suas falhas, não lhe eram estranhas, pois já Lutero o havia advertia por carta durante a conferência Imperial em Augsburg:
     “Tu estás preocupado porque não consegues ver como isso vai acabar. ... Deus ensina isso em uma lição que não se encontra em tua retórica ou filosofia; essa lição é a fé. Ela contém tudo o que não se pode ver ou perceber. ... Se Moisés tivesse tentado compreender como ele iria escapar do exército de Faraó, Israel provavelmente estaria no Egito até hoje. Que Deus aumente a tua fé e a de todos nós!”
     Também nisso Melanchthon continua a ensinar a igreja e o mundo, ainda hoje. Graças a Deus!
Rev. Capitão Gerson L. Flor,
Trenton, Ontario, Canadá

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