SBB

terça-feira, 9 de outubro de 2012

ARTIGO PARA REFLEXÃO


            "Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeita-a; dominai (...). Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom." (Bíblia Sagrada, Livro do Gênesis, 1:27-28, cerca de 1.500 a.C.)  “Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. (...) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.” (Declaração Universal dos Direitos Humanos – ONU – 1.948, art. XVI, “1” e “3”)
            “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 226) “O casamento estabelece comunhão plena de vida (...). O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o juiz os declara casados.” (Código Civil Brasileiro, 2002, arts. 1.511 e 1.514)
            Entre os textos em epígrafe há um núcleo principio lógico de significação que, além de essencial, fundante, intangível e inelutável, exprime, valorativamente, o ideário moral e cultural da nossa societas, qual seja: a família natural é constituída pela união matrimonial do homem e da mulher e, uma vez assim constituída, passa a ser instituição basilar e fundamental para a existência de nossa sociedade.  E mais: por assim ser, dada a sua importância e indispensabilidade, goza de especial proteção do Estado.
            Há nesses documentos históricos – de natureza cristã, científica e jurídica – a atestação, contundente e peremptória, de que a família natural – aquela que pode ser fecunda, conforme o mandamento bíblico – tem sido e é sim – em toda a história da humanidade – o bem maior, a ratio essendi (isto é, a razão essencial) da sociedade, como se houvesse – e de fato há – uma implicação lógica de causa e efeito, qual seja: não há sociedade sem família, de modo tal que a família seria o antecedente necessário do consequente lógico que é a sociedade.
            Não é por outra razão que, entre os romanos, a máxima capacidade jurídica e social de uma pessoa se realizava com a obtenção – em ordem e grau de plenitude jurídico-social – do “status libertatis”, depois do “status civitatis” e depois do “status familiae”.  Traduzindo: a plenitude do ser humano e da condição social, para os romanos, dava-se, em primeiro lugar, com a assunção do “estado de liberdade”, depois com a assunção da condição e “estado de cidadão” e, em terceiro lugar, como ápice e razão de ser do romano, com a assunção de uma posição dentro de uma família (familia communi iure), o que seria o seu “estado de família”.
            Nesse mesmo contexto histórico da antiguidade, a noção de “Família”, como base da sociedade, é ainda mais clara, porque, como não havia “Estado” – como organização jurídica nos moldes em que temos hoje – era no seio dela – da “Família” – que as relações políticas e jurídicas se iniciavam e se consolidavam, de modo que a tradição jurídica e cultural de cada comunidade era transmitida, oralmente, dos pais para os filhos. A preservação da comunidade e a continuidade dos seus valores e tradições ficava a cargo das famílias.     Percebamos, então, que papel essencial exercia, historicamente, a instituição “Família”, neste contexto. Os judeus, por exemplo, em suas entidades familiares, conservavam as tradições e valores fundantes da sua comunidade através do “midrash” que era uma espécie de narrativa oral, transmitida de pai para filho, cujo objetivo maior era interpretar e aplicar, mais facilmente, na vida diária, os ensinamentos da Torá.
            Percebe-se, em tudo isso, que as crianças e adolescentes tinham referenciais claros para serem seguidos. Havia uma distinção mais nítida, perceptível e elucidativa entre o que é bem e mal, certo e errado, belo e feio, verdade e mentira. Os pais eram os arquétipos e modelos a serem seguidos pelos filhos. Era em casa, no lar, que as virtudes eram ensinadas e exaltadas, do mesmo modo que os vícios eram reprovados e corrigidos. Havia amor, respeito, ordem, disciplina, consideração, dignidade e honradez familiar. Infelizmente, não mais tem sido assim. O que era a “Família”? O que é a “Família”? E no que está se tornando a “Família” são questões que precisamos, urgentemente, (re)discutir e (re)dimensionar.
            Sob o prisma científico, resta, também, comprovado hoje que é no seio da “Família” que atingimos a plenitude da nossa formação física, moral, cultural e intelectual. É exatamente por isso que as chamadas Ciências Humanas – assim como também, as Ciências Sociais e Aplicadas – olham, objectual e cognitivamente, a instituição “Família” como uma forma de organização elementar dos indivíduos, cujas funções – proteção psicossocial; socialização; geradora de afeição; proporcionadora de segurança, aceitação pessoal, satisfação e de sentimento de utilidade; asseguradora da continuidade das relações sociais; impositora de disciplina, autoridade e do sentimento do que é correto – são essenciais para o desenvolvimento do ser humano, do ser social e da sociedade.
            A psicologia, neste sentido, afirma que é no seio da “Família” que se constitui o sujeito e se estabelece os parâmetros comportamentais que vão dominar as relações sociais (Freud, em “Totem e tabu”, 1913). Não é por outra razão que este mesmo Freud afirmou que, com a morte do pai, o sentimento que veio à tona nele é o de que, a partir daquele momento da morte, ele estava sendo desenraizado (Carta a Wilhelm, em 1895).
            A sociologia e a antropologia atestam no mesmo sentido a importância vital da “Família” para a sociedade porque esta é um tipo de instituição social que se encontra em todos os agrupamentos humanos, mesmo que variem as estruturas e funcionamento, de tal modo que podemos, sociológica e antropologicamente, afirmar que a família é ínsita ao conceito de sociedade. É inelutável afirmar que não existe sociedade sem famílias. A questão maior é indicar que tipo de “Família” é essa que se tem constituído neste momento pós-moderno.
            Todo esse entendimento cultural e científico sobre a “Família” foi incorporado no nosso Sistema Jurídico, porque, como sabemos, este é consubstanciado nos valores principio lógicos e nos preceitos normativos que a sociedade adota. É a sociedade, em sua maioria, quem decide sobre eles – os princípios e os preceitos jurídicos. Por isso que o nosso legislador constitucional e infraconstitucional – assim como o próprio Direito Internacional – reconhecem a “Família” como instituição máter e basilar de uma sociedade. Foi o que vimos nos texto da epígrafe do presente ensaio.
            No entanto, apesar do reconhecimento bíblico, científico e jurídico de que a “Família” é a base e o núcleo natural e fundamental de uma sociedade, infelizmente, temos vivido sob a égide de um momento cultural – chamado filosoficamente de pós-modernismo – onde os princípios, valores e virtudes da “Família” estão sendo, ainda mais, relativizados e destruídos.
            O “ainda mais” é no sentido de que, se olharmos para esta mesma história da humanidade, com um olhar apurado, a fim de se ir além do meramente aparente, em busca do que é latente, perceberemos que, em realidade, ao longo dos séculos, há, nitidamente, uma lenta e gradual transformação desconstrucionista do conceito e valores da instituição “Família”, de tal modo que,
seguramente, podemos assentir que aquilo que se chamava de “Família” antes é quase a antítese do que se quer chamar hoje. É como se houvesse uma completa inversão de valores, de tal maneira que a “Família” que querem formar hoje é a anti-família de antes. Porque se a “Família” de antes era aquela formada por homens e mulheres que estabeleciam um compromisso sério, diante de Deus, das autoridades legais constituídas e de toda a sociedade – um verdadeiro consortium omne vitae (consórcio para a vida toda), como diziam os romanos – e criavam os seus filhos, dignamente, cultivando a formação, neles, de valores ético-cristãos, a “Família” que se quer formar hoje, já não é mais assim. Na realidade, a “Família”, nos moldes em que se propõe hoje, tem se tornado, tão somente, um vínculo formal de ajuntamento de pessoas – homem-mulher ou mesmo homem-homem ou mulher-mulher ou, somente, homem com filho ou mulher com filho – com vistas à individuação do patrimônio e estabelecimento de uma entidade de relações consumeristas.

0 comentários:

Postar um comentário